
Nada a dizer, somente o sentimento de um momento único, intraduzível. As nuvens pressentiam um holocausto que não presenciei. Estou a aprender como para todo o começo existe um fim que se constrói, como uma tapeçaria universal.

Uma arte
A arte de perder não é difícil de dominar,
Tantas coisas parecem encerrar o destino de
serem perdidas que a sua perda não é um desastre
Perde alguma coisa a cada dia. Aceita o incómodo
de perder as chaves da porta, a hora estupidamente perdida.
A arte de perder não é difícil de dominar.
Depois pratica maiores perdas, mais frequentes perdas,
lugares, e nomes, e onde pensaste um dia
viajar. Nada disto trará desastre.
Perdi o relógio de minha mãe. E repara! A minha última
ou penúltima adorável casa se foi.
A arte de perder não é difícil de dominar.
Perdi duas cidades, maravilhosas. E mais ainda,
alguns reinos que possuía, dois rios, um continente.
Sinto falta deles, mas não é um desastre.
Mesmo perdendo-te a ti (a voz que ria, um gesto que
amei) não devo mentir. É evidente
que a arte de perder não é muito difícil de dominar.
Embora pareça (escreve!) pareça um desastre.
Elizabeth Bishop
Não é que ser possível ser feliz acabe,
quando se aprende a sê-lo com bem pouco.
Ou que não mais saibamos repetir o gesto
que mais prazer nos dá, ou que daria
a outrem um prazer irresistível. Não:
o tempo nos afina e nos apura:
faríamos o gesto com infinda ciência.
Não é que passem as pessoas, quando
o nosso pouco é feito da passagem delas.
Nem é também que ao jovem seja dado
o que a mais velhos se recusa. Não.
É que os lugares acabam. Ou ainda antes
de serem destruídos, as pessoas somem,
e não mais voltam onde parecia
que elas ou outras voltariam sempre
por toda a eternidade. Mas não voltam,
desviadas por razões ou por razão nenhuma.
É que as maneiras, modos, circunstâncias
mudam. Desertas ficam praias que brilhavam
não de água ou sol mas solta juventude.
As ruas rasgam casas onde leitos
já frios e lavados não rangiam mais.
E portas encostadas só se abrem sobre
a treva que nenhuma sombra aquece.
O modo como tínhamos ou víamos,
em que com tempo o gesto sempre o mesmo
faríamos com ciência refinada e sábia
(o mesmo gesto que seria útil,
se o modo e a circunstância persistissem),
tornou-se sem sentido e sem lugar.
Os outros passam, tocam-se, separam-se,
exactamente como dantes. Mas
aonde e como? Aonde e como? Quando?
Em que praias, que ruas, casas, e quais leitos,
a que horas do dia ou da noite, não sei.
Apenas sei que as circunstâncias mudam
e que os lugares acabam. E que a gente
não volta ou não repete, e sem razão, o que
só por acaso era a razão dos outros.
Se do que vi ou tive uma saudade sinto,
feita de raiva e do vazio gélido,
não é saudade, não. Mas muito apenas
o horror de não saber como se sabe agora
o mesmo que aprendi. E a solidão
de tudo ser igual doutra maneira.
E o medo de que a vida seja isto:
um hábito quebrado que se não reata,
senão noutros lugares que não conheço.
Jorge de Sena
Quando vou a Peniche, lembro-me do grande poeta auto-exilado. Peniche é cada vez mais um outro lugar. Não sei se é bom ou mau, mas tenho pena que seja assim.