quarta-feira, 10 de novembro de 2010
A luz do sol no jardim
(...)
O céu estava bom para o voo
desafiando os sinos das igrejas
Toda a maldade de ferro
As sirenes e o que elas dizem
A Terra impulsiona
Estamos morrendo, Egipto, morrendo
E não esperando perdão,
Um coração novo e endurecido,
Mas feliz por me ter sentado debaixo
Do trovão e da chuva contigo
E Igualmente grato
Pela luz do sol no jardim.
Louis Macneice
http://en.wikipedia.org/wiki/Louis_MacNeice
Excerto do maravilhoso poema do poeta irlandês. Perdoem-me a tradução manhosa.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Noutros lugares
Não é que ser possível ser feliz acabe,
quando se aprende a sê-lo com bem pouco.
Ou que não mais saibamos repetir o gesto
que mais prazer nos dá, ou que daria
a outrem um prazer irresistível. Não:
o tempo nos afina e nos apura:
faríamos o gesto com infinda ciência.
Não é que passem as pessoas, quando
o nosso pouco é feito da passagem delas.
Nem é também que ao jovem seja dado
o que a mais velhos se recusa. Não.
É que os lugares acabam. Ou ainda antes
de serem destruídos, as pessoas somem,
e não mais voltam onde parecia
que elas ou outras voltariam sempre
por toda a eternidade. Mas não voltam,
desviadas por razões ou por razão nenhuma.
É que as maneiras, modos, circunstâncias
mudam. Desertas ficam praias que brilhavam
não de água ou sol mas solta juventude.
As ruas rasgam casas onde leitos
já frios e lavados não rangiam mais.
E portas encostadas só se abrem sobre
a treva que nenhuma sombra aquece.
O modo como tínhamos ou víamos,
em que com tempo o gesto sempre o mesmo
faríamos com ciência refinada e sábia
(o mesmo gesto que seria útil,
se o modo e a circunstância persistissem),
tornou-se sem sentido e sem lugar.
Os outros passam, tocam-se, separam-se,
exactamente como dantes. Mas
aonde e como? Aonde e como? Quando?
Em que praias, que ruas, casas, e quais leitos,
a que horas do dia ou da noite, não sei.
Apenas sei que as circunstâncias mudam
e que os lugares acabam. E que a gente
não volta ou não repete, e sem razão, o que
só por acaso era a razão dos outros.
Se do que vi ou tive uma saudade sinto,
feita de raiva e do vazio gélido,
não é saudade, não. Mas muito apenas
o horror de não saber como se sabe agora
o mesmo que aprendi. E a solidão
de tudo ser igual doutra maneira.
E o medo de que a vida seja isto:
um hábito quebrado que se não reata,
senão noutros lugares que não conheço.
Jorge de Sena
Quando vou a Peniche, lembro-me do grande poeta auto-exilado. Peniche é cada vez mais um outro lugar. Não sei se é bom ou mau, mas tenho pena que seja assim.
sábado, 17 de abril de 2010
Nunca quebrar
Há muito tempo encontrei este postal numa mercearia que existia em Peniche de Cima. Não me lembro do nome da senhora que estava ao balcão e que era a dona do estabelecimento. Era viúva, pequenina de estatura e a cara preenchida com uns óculos de massa, pretos. Lembro-me que a loja tinha um balcão corrido, enorme para a minha pequenez de criança, e lá podia-se comprar todo o tipo de coisas, até postais antigos. Este é um dos meus postais favoritos de Peniche, porque mostra essa fascinante luta constante entre o Homem e a Natureza. É uma imagem forte e é por isso também uma bela forma de homenagear os pescadores.
sábado, 20 de março de 2010
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Duas Almas
Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada,
entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho.
Vives sozinha sempre e nunca foste amada...
.
A neve anda a branquear lividamente a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
.
E amanhã quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
.
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...
Alceu Wamosy
O Grande Poeta simbolista brasileiro Alceu Wamosy soube descrever tão bem a melancolia da solidão.
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Rocha sólida
sábado, 30 de janeiro de 2010
As falésias que nos protegem
A península de Peniche é toda ela uma fronteira. Tanto que acaba e tanto que começa. Para quem soube amar essa fronteira, as palavras de José Tolentino de Mendonça.
«Do céu tombavam flores amarelas
atiradas sem piedade pelos remoinhos do vento
ele sentava-se num terraço
ou numa falésia contra o mar
porque tudo aí é tão calmo
indulgnte, quase gentil»
O Passado Some-se
domingo, 17 de janeiro de 2010
O passado é onde nos separamos
Rosa Linda
Rosa Linda é uma personagem do passado, dum mundo e de uma terra que não existem mais e que por essas razões nos entristece a memória. Morava para os lados do Forte da Luz ou pelo menos era por esses lados que me lembro de a ver. Vestia de negro, cara morena, cabelos compridos, e vendia moinhos de papel de todas as cores, moinhos que ela própria construía. Ela chegava como as ventanias e os moinhos giravam naquele barulho abafado de papel de lustro unido num arame e pregado a uma caninha. Ela vinha com os moinhos aos molhos. Lembro-me que sorria, prova de que a alma não amarga com a fome e o sofrimento, antes se adoça e enternece.
Só agora, neste ano de 2010, tantos anos depois da sua morte, me lembro dela. E tenho pena de me lembrar dela só agora mas era pequeno demais para, se a encontrasse, lhe dizer obrigado. A lembrança dessa personagem, que em pleno século vinte carregava toda a antiguidade do nosso país, dessa terra ainda vila chamada Peniche, é uma forma de me lembrar de mim como criança. Uma traição, portanto. Não serve de nada, mas aqui fica o meu obrigado à Rosa Linda.