quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Nuvens



Nada a dizer, somente o sentimento de um momento único, intraduzível. As nuvens pressentiam um holocausto que não presenciei. Estou a aprender como para todo o começo existe um fim que se constrói, como uma tapeçaria universal.
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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A Arte de Perder



Aqui está um poema que nunca encontrei numa tradução minimamente aceitável. O original em inglês é muito belo. Chama-se «one art». Perder é uma (grande) arte.


Uma arte

A arte de perder não é difícil de dominar,

Tantas coisas parecem encerrar o destino de

serem perdidas que a sua perda não é um desastre


Perde alguma coisa a cada dia. Aceita o incómodo

de perder as chaves da porta, a hora estupidamente perdida.

A arte de perder não é difícil de dominar.


Depois pratica maiores perdas, mais frequentes perdas,

lugares, e nomes, e onde pensaste um dia

viajar. Nada disto trará desastre.


Perdi o relógio de minha mãe. E repara! A minha última

ou penúltima adorável casa se foi.

A arte de perder não é difícil de dominar.


Perdi duas cidades, maravilhosas. E mais ainda,

alguns reinos que possuía, dois rios, um continente.

Sinto falta deles, mas não é um desastre.


Mesmo perdendo-te a ti (a voz que ria, um gesto que

amei) não devo mentir. É evidente

que a arte de perder não é muito difícil de dominar.

Embora pareça (escreve!) pareça um desastre.


Elizabeth Bishop

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Na fronteira



Nada mais avassalador que viver na fronteira, qualquer que ela seja; a fronteira da dor, a fronteira da sanidade, a fronteira da fronteira. Viver entre o nada e alguma coisa. valter hugo mãe sabe...

peçam-lhe que venha tão
depressa, digam-lhe que
não durmo e que estarei
no telhado entristecida a
desbotar ao sol
incomodando os pássaros cada vez menos (...)

perguntem-lhe por mim e
se pode vir
para recolher o
meu corpo no fim
só bulido pelo vento

e se o vento é conjunto
de pássaros invisíveis ou seres
tão claros , escondam que sou
cruel, que fico a debulhar
anjos como flores para saber
se bem ou mal me quer (...)

meu amor inventado
ainda assim tanto demoras

quantas vezes te inventei
ao pé das
águas do lago e
imaginei que me empurravas
ladeira abaixo
para enfim
morrer de amor (...)

terás de perdoar a
tristeza do meu corpo, ele
não entende o que estou
a fazer

e se alguma vez me
vires nos teus sonhos
sacode-me a terra ao coração (...)

e faz-me sempre assim,
empoleirada nos telhados
a enganar os girassóis (...)

abençoo-te para sempre
e é assim que morro, corajosa
a escrever um livro de
amor sem chorar

O resto da minha alegria, Valter Hugo Mãe

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A luz do sol no jardim



(...)
O céu estava bom para o voo
desafiando os sinos das igrejas
Toda a maldade de ferro
As sirenes e o que elas dizem
A Terra impulsiona
Estamos morrendo, Egipto, morrendo

E não esperando perdão,
Um coração novo e endurecido,
Mas feliz por me ter sentado debaixo
Do trovão e da chuva contigo
E Igualmente grato
Pela luz do sol no jardim.

Louis Macneice

http://en.wikipedia.org/wiki/Louis_MacNeice

Excerto do maravilhoso poema do poeta irlandês. Perdoem-me a tradução manhosa.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Noutros lugares



Não é que ser possível ser feliz acabe,

quando se aprende a sê-lo com bem pouco.

Ou que não mais saibamos repetir o gesto

que mais prazer nos dá, ou que daria

a outrem um prazer irresistível. Não:

o tempo nos afina e nos apura:

faríamos o gesto com infinda ciência.

Não é que passem as pessoas, quando

o nosso pouco é feito da passagem delas.

Nem é também que ao jovem seja dado

o que a mais velhos se recusa. Não.

É que os lugares acabam. Ou ainda antes

de serem destruídos, as pessoas somem,

e não mais voltam onde parecia

que elas ou outras voltariam sempre

por toda a eternidade. Mas não voltam,

desviadas por razões ou por razão nenhuma.

É que as maneiras, modos, circunstâncias

mudam. Desertas ficam praias que brilhavam

não de água ou sol mas solta juventude.

As ruas rasgam casas onde leitos

já frios e lavados não rangiam mais.

E portas encostadas só se abrem sobre

a treva que nenhuma sombra aquece.

O modo como tínhamos ou víamos,

em que com tempo o gesto sempre o mesmo

faríamos com ciência refinada e sábia

(o mesmo gesto que seria útil,

se o modo e a circunstância persistissem),

tornou-se sem sentido e sem lugar.

Os outros passam, tocam-se, separam-se,

exactamente como dantes. Mas

aonde e como? Aonde e como? Quando?

Em que praias, que ruas, casas, e quais leitos,

a que horas do dia ou da noite, não sei.

Apenas sei que as circunstâncias mudam

e que os lugares acabam. E que a gente

não volta ou não repete, e sem razão, o que

só por acaso era a razão dos outros.

Se do que vi ou tive uma saudade sinto,

feita de raiva e do vazio gélido,

não é saudade, não. Mas muito apenas

o horror de não saber como se sabe agora

o mesmo que aprendi. E a solidão

de tudo ser igual doutra maneira.

E o medo de que a vida seja isto:

um hábito quebrado que se não reata,

senão noutros lugares que não conheço.

Jorge de Sena


Quando vou a Peniche, lembro-me do grande poeta auto-exilado. Peniche é cada vez mais um outro lugar. Não sei se é bom ou mau, mas tenho pena que seja assim.

sábado, 17 de abril de 2010

Nunca quebrar



Há muito tempo encontrei este postal numa mercearia que existia em Peniche de Cima. Não me lembro do nome da senhora que estava ao balcão e que era a dona do estabelecimento. Era viúva, pequenina de estatura e a cara preenchida com uns óculos de massa, pretos. Lembro-me que a loja tinha um balcão corrido, enorme para a minha pequenez de criança, e lá podia-se comprar todo o tipo de coisas, até postais antigos. Este é um dos meus postais favoritos de Peniche, porque mostra essa fascinante luta constante entre o Homem e a Natureza. É uma imagem forte e é por isso também uma bela forma de homenagear os pescadores.

sábado, 20 de março de 2010

Há de ficar comigo uma saudade tua...



Duas Almas
Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada,

entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho.
Vives sozinha sempre e nunca foste amada...
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A neve anda a branquear lividamente a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.
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E amanhã quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!
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Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...
Alceu Wamosy

O Grande Poeta simbolista brasileiro Alceu Wamosy soube descrever tão bem a melancolia da solidão.

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